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Rota de Acessibilidade no Pelourinho

Data de Publicação: 13 de Fevereiro de 2017

A foto mostra uma cadeirante passeando no Pelourinho

A foto mostra uma cadeirante passeando no Pelourinho

Em setembro, minhas férias me levaram mais uma vez até a Bahia, quando tive oportunidade de visitar novamente o Pelourinho. Vc sabia que, em 2013, foi inaugurada uma rota de acessibilidade nesta área, para que pessoas com deficiência também possam ter acesso a esse magnífico patrimônio histórico-artístico-cultural brasileiro? Neste post, vou dar atenção exatamente a esse ponto de interesse de Salvador, capital da Bahia. Falarei sobre o processo que levou à materialização desse sonho, compartilharei fotos e indicarei onde vc pode ir ao banheiro ou tomar um lanche, coisas muito básicas, mas nem sempre acessíveis, não é mesmo? Principalmente numa área histórica e tombada.

Como vc já sabe, porque leu aqui, nesta viagem fiquei hospedada no Iberostar Bahia. Durante a estadia, pude retornar à charmosa Vila da Praia do Forte, assunto do próximo post. E, acompanhada de Ida e Solange, fui também a Salvador, que conheci há cerca de 12 anos. Contratamos um motorista para fazer um tour pela orla e pelo centro histórico e tivemos uma riquíssima experiência. Mas, sem dúvida, o que mais me atraiu foi o projeto Pelourinho Acessível.

Pelourinho: de instrumento de tortura a cartão-postal

Na época da escravidão, os escravos eram castigados nos pelourinhos, presentes em diversas cidades, como cicatriz de um passado que nos envergonha. Em Salvador, o local se transformou no rico conjunto histórico e arquitetônico do Pelourinho – integrante do centro histórico da cidade. Igrejas, construções barrocas, comércio, restaurantes e artesanato, além da música, tomaram conta da região, que vive em efervescência. Lá vc encontra também a sede do grupo Olodum, que enche as ladeiras com suas cores vivas e a inconfundível e contagiante percussão dos seus tambores.

O Pelourinho é Patrimônio Cultural da Humanidade, tombado pela Unesco em 1985. A região é geograficamente desfavorável a cadeirantes, devido às ladeiras. Mas quem disse que ela não poderia se tornar acessível pelo menos em parte, possibilitando às pessoas com mobilidade reduzida a oportunidade de entrar em contato com essa maravilha da construção humana? E isso foi feito.

Direito de acesso ao patrimônio

A execução da rota acessível no Pelô iniciou-se em abril de 2012, após inumeráveis reuniões para convencer o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) a liberar as intervenções na área, e depois de reunir parcerias e fazer o planejamento. A luta contou com o empenho de pessoas muito especiais, que estavam na hora certa e no lugar certo, sem as quais não teria sido possível chegar a esse resultado. Entre essas pessoas estavam operários muito empenhados:

Na primeira etapa de implantação do projeto, ainda que não tenha sido possível garantir o acesso a todas as edificações existentes na rota, a intervenção assegurou o acesso àquelas de maior relevância para o interesse coletivo, tais como o Museu da Cidade, a Fundação Casa Jorge Amado e o Solar Ferrão. Além disso, a rota nos oferece condições de contemplar o conjunto arquitetônico e experienciar as características do ambiente que agregam valor histórico e cultural a este espaço.

E quais foram exatamente as intervenções que tornaram o Pelô mais próximo das pessoas com deficiência?

♦ Na rota acessível, foi promovido o alargamento da calçada em uma das laterais da rua. Ela passou de 0,60m para 1,50m de largura. Foi mantido o meio-fio existente e complementada a largura com concreto lavado. Isso tornou o trajeto seguro para cadeiras de rodas.

♦ Para cruzar a rua, foram construídas travessias com base em concreto ciclópico revestido pela pedra conhecida como “cabeça de nego”. Observe que foi um trabalho artesanal. A pedra original havia sido assentada sobre uma base de areia, o que provoca irregularidade na superfície (causando muita trepidação da cadeira de rodas). Os operários retiraram as pedras no local onde seria construída a faixa de travessia e a recolocaram, escolhendo as mais lisas e uniformes, de forma a evitar trepidação que comprometesse o deslocamento de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Não sei quanto a vcs, mas esse tipo de ação me emociona. Sabe por quê? Porque comprova que as coisas são possíveis quando há boa vontade.

♦ A passarela no Largo de São Francisco foi recuperada e nivelada.

♦ Foi construída uma escarrampa (rampa através da escada) na Fundação Casa de Jorge Amado 

O registro do processo de construção da Rota Acessível do Centro Histórico de Salvador foi apresentado em uma publicação instigante e abrangente, que não estava disponível on-line. Mas tive acesso a ela e a hospedei no meu Google Drive, para que fique acessível ao público. Clique aqui para baixar (precisei hospedar no Google Drive, porque a plataforma do blog não comporta um documento tão volumoso). A primeira parte consiste no registro das articulações necessárias à viabilização do projeto; a segunda parte trata da elaboração do projeto de acessibilidade; e a terceira parte apresenta o registro do processo de execução da obra. Não deixe de ler, se vc se interessa pelo assunto; é uma aula.

O projeto foi elaborado e coordenado pela Secretaria da Justiça Cidadania e Direitos Humanos em parceria com o Escritório de Referência do Centro Antigo e a Fundação Mário Leal Ferreira. Contou com apoio do Iphan, da Companhia de Desenvolvimento da Bahia – Conder – e da Secretaria de Cultura da Bahia através do Instituto do Patrimônio Histórico Cultural da Bahia – Ipac .

Sem nenhuma dúvida, trata-se de uma ação emblemática, porque rompe com o mito de que a promoção da acessibilidade não é compatível com a manutenção do patrimônio histórico tombado.

É preciso não esquecer de que, se as condições de circulação não oferecem autonomia e segurança à pessoa com deficiência, representam uma barreira ao seu direito de ir e vir e ao direto à cidade, o que nada mais é que um desrespeito não somente à pessoa como às leis vigentes.

A intervenção no Pelourinho foi inspirada em uma rota acessível existente em Olinda, Pernambuco. Esperamos que ambas inspirem outras cidades históricas brasileiras a assegurar ao cidadão com deficiência a possibilidade de usufruir dos espaços históricos.

Lamentavelmente, muitos ainda enxergam a acessibilidade como “concessão” ou “ato caritativo”, mas ela é fundamental e, por isso, um direito assegurado pela legislação. É necessário que nós, pessoas com deficiência, ousemos sair da invisibilidade para “invadir” os espaços e exigir que a lei seja cumprida, por mais desafiadora que seja a empreitada.

Por Laura Martins

Fonte: http://cadeiravoadora.com.br/pelourinho-acessivel/ Imagem: Divulgação